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A série visual composta por 12 louças brancas carimbadas parte da imagem: a louça deixada na pia e a comida abandonada na geladeira, elementos domésticos que simbolizam a interrupção brusca da vida cotidiana e a fuga forçada do Brasil. Esses objetos de uso diário, agora carimbados, adquirem um novo significado: o carimbo na louça é uma metáfora direta do carimbo que marca a pele da pessoa refugiada, alguém cujas identidades são estigmatizadas e rotuladas.

O ato de carimbar pratos, canecas e cumbucas transforma esses utensílios comuns em testemunhas silenciosas da perda e do deslocamento. Eles se tornam artefatos de resistência, uma reapropriação de objetos que habitam tanto a esfera privada quanto a pública, revelando os processos complexos de um corpo marginalizado. O apagamento vivenciado, tanto antes quanto durante o exílio, manifesta-se na memória dos objetos e na própria trajetória de vida da pessoa refugiada.

O corpo refugiado, atravessado por múltiplos apagamentos, é reconfigurado na obra como um corpo que resiste à tentativa constante de silenciamento. O apagamento, vivido de forma recorrente pelos corpos LGBTQIAP+, é exposto não apenas no nível pessoal, mas também em uma dimensão política, ao ser registrado fisicamente nos documentos que carregam a marca da exclusão.

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O estatuto de refugiado, marcado pela grafia em caixa alta – REFUGIE –, simboliza não só a perda da identidade nacional, mas também a imposição de um novo rótulo que perpetua o estigma e a alienação. A nacionalidade, que passa a ser lida como "Refugie Bresilien", revela o tensionamento entre pertencimento e exclusão, entre identidade e apagamento.

No âmbito filosófico, a obra se relaciona com a leitura do livro Histoire politique du barbelé, de Olivier Razac, que discute a simbologia do arame farpado e suas múltiplas utilizações ao longo da história. Criado originalmente para cercar lavouras e pastagens, o arame farpado rapidamente se tornou um instrumento de opressão, utilizado em contextos militares e de repressão social. A obra visual dialoga com essa metáfora do arame farpado, um objeto que, assim como a própria condição de refugiado, carrega uma brutalidade visível e histórica. As cercas que delimitam espaços, segregam corpos e silenciamentos são aqui ressignificadas como símbolos de uma vivência política que ecoa opressões passadas e presentes.

Essa reapropriação de objetos e palavras, tão presente no meu trabalho, ressignifica as práticas cotidianas e transforma o que é comum em uma linguagem poética de resistência. A criação artística, assim, não apenas evoca memórias dolorosas de fuga e exclusão, mas também propõe um espaço de diálogo com a nova realidade.

 

O país que acolhe o refugiado é, ao mesmo tempo, um espaço de possibilidades e de novas marcas, onde as cicatrizes do passado se misturam aos desafios do presente seguindo o fio documental, que se torna recorrente em meus trabalhos e a frase ainda não deglutida. “Eu deixei louça na pia e comida na geladeira”, sigo a sequência poética e visual.  O objeto carimbado, a louça deixada para trás, os documentos rasurados – todos esses elementos apontam para uma questão maior: o pertencimento em um contexto onde a identidade é negociada e, muitas vezes, apagada.

 

O que é permitido na casa do colonizador?

 

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